Ode às relações construídas no consultório
Escrevo uma ode em jeito de sátira (ou será sátira em jeito de ode) ao amor construído nos consultórios dos psicólogos e psiquiatras pelo mundo fora. É curioso como hoje em dia, por tudo ou por nada, as pessoas se auto-intitulam de "deprimidas", facto que e ainda mais curioso é, acaba por ser posteriormente comprovado pelos médicos psicólogos e psiquiatras que aumentam substancialmente os seus cachés com esta doença do século XXI - sim, porque duvido que antigamente as pessoas tivessem depressões até porque simplesmente não tinham tempo para pensar que estavam deprimidas e aí referia-se apenas, aquando de uma quebra de auto-estima, o "sinto-me ligeiramente em baixo". Hoje em dia há tempo para pensar em depressões, há tempo para se estar deprimido e ainda melhor, as relações que não encontram tempo para serem vividas e geridas no dia-a-dia acabam por serem construídas e/ou mantidas nos consultórios dos psicólogos/psiquiatras (adiante mencionado como apenas "consultório").
O indivíduo reconstrói-se no consultório à procura de respostas que deveriam ter sido dadas e procuradas ao longo da sua existência no mundo e, das duas hipóteses acontece uma pelo menos: a) o indivíduo conhece a sua cara-metade no consultório enquanto está à espera de ser atendido; b) o indivíduo é levado pela sua cara-metade, também ela em depressão, para o consultório. Encarando que na hipótese a) o indivíduo pode apresentar inúmeros motivos que o levem até ao consultório, vou centrar-me na hipótese b) que é, sem dúvida alguma, um mimo.
Deste modo, mesmo que o indivíduo não apresente quaisquer sinais de depressão acaba por ser motivado pelo seu parceiro à visita semanal ao consultório e assim constrói-se uma dinâmica relacional inquebrável e um rito semanal como poderia ser, uma ida ao cinema ou um jantar romântico, por exemplo. A única diferença será que nestas duas últimas situações o casal é obrigado a relacionar-se sem a ajuda de um terceiro elemento e isso pode ser difícil, especialmente para quem não tem capacidades comunicacionais ou as tem pouco desenvolvidas. Já no consultório, quem inicia a conversa é o médico, que funciona enquanto moderador da conversa e finda a consulta termina também a conversa semanal entre o casal. E está feito! No decorrer dessa semana ou não é preciso conversar mais ou recorda-se o que foi conversado na terapia.
É impressionante o pouco esforço que se injecta nas relações. Ainda mais impressionante são as desculpas dadas entre casal para justificar que uma relação não funcione. O fácil é qualificarmo-nos como deprimidos e escondermo-nos na penumbra da depressão como motivo para não nos esforçarmos para sair da cama, para viver a vida, para fazermos alguém feliz ou simplesmente para sermos felizes. Há relações tão frágeis que não sobrevivem sozinhas, assim como há pessoas demasiadamente fracas que não sabem estar sozinhas. Mas estar sozinho não é sinónimo de ser infeliz porque a nossa felicidade jamais vai depender de terceiros, depende de nós próprios e de mais ninguém.